domingo, 28 de dezembro de 2014

COQUEIRO





COQUEIRO

Não sou nato desta terra
que matou a minha fome.
Mas hoje a vida se encerra
na terra que tem meu nome
porque o mundo moderno
atende ao homem de terno
dos prédios da construção.
A vida que quer mudança
faz morrer a esperança
de não ver mudar o chão.

Quando fui aqui plantado
junto com meus companheiros,
em número aproximado
de milhares de milheiros
não pensava neste fim.
E o vento dizia assim:
- “Aqui viveu muita gente
de copa alta ou rasteira,
porém a mata primeira
acabou-se de repente.”

Eu sempre senti com medo
o que o vento me dizia,
a imaginar o enredo
dos que sentiram agonia
de ser mosto há tempo atrás.
Mas, da vez, eu era o ás
e me plantaram com gosto.
Não pensei me deparar
com a morte a se mostrar
bem diante do meu rosto.


Com o fim da mata primeira
a terra, então, descampada,
pelos primos da palmeira
findou foi sendo ocupada.
E por ser terra de mar,
os donos desse lugar
tiveram plano e ação:
coqueiros dariam renda
em qualquer uma fazenda
para especulação.

Apesar disso, cresci
sob a quentura do sol,
nas minhas palhas senti
o vento desse arrebol
junto com meus companheiros.
Sempre sentimos faceiros
ventania na madeira.
Terminamos entortados
por ser tanto machucados
nessa região praieira.

Era tão doce escutar
as ondas e seu marulho
e ver o vento chegar
e fazer algum barulho
roçando nas nossas palhas,
que essas milhares de galhas
tem um lindo farfalhado,
e com o som do oceano
me lembravam um piano
sendo por anjos tocados.


Era tão doce de ver,
no início da madrugada,
o sol quente em seu nascer
deixar luz amarelada
passar por dentro da gente
e depois se por dolente
daquele mesmo jeitinho.
Mas porém do outro lado,
que o sol nasce molhado
só que morre bem sequinho.

E depois chegava a lua
escondida no negrume
da nossa madeira nua
até chegar lá no cume
desses velhos coqueirais;
quando então dava sinais
se era nova ou se era cheia,
se era crescente ou minguante,
a clarear nesse instante
a terra de fina areia.

Mas o tempo foi passando.
Nós fomos envelhecendo
e côco não foi gerando
o esperado dividendo
que agora aqui nesta terra,
se minha mente não erra
só tem coqueiro velhinho.
Pois sabe quem vê zeloso
que qualquer coqueiro idoso
tem caule em cima fininho.


Hoje eu choro por mim
e minha tranquilidade,
que nossa vida era assim
antes que a outra cidade
se expandisse além do rio,
quer a capital traz um frio
qual de um câncer em ação.
E minha duna, meu monte
Finda por passar na ponte
gente e destruição.

Pra mim, meu fim teve início
com a ponte do construtor.
O altar do sacrifício
dos pequenos sem-valor,
que impedem o progresso
e representam o regresso
esperando sua vez
de serem pisoteados,
cortados, dilacerados
perdendo a cor da sua tez.

São tantos loteamentos,
metragens e marcações.
E os pedreiros aos centos
se ocupam nas construções.
Vejo telhados surgindo.
Quanto mais deles subindo,
mais coqueiros chegam ao chão
que a serra cortadeira
de uma mão matadeira
age sem ter coração.


Por morar longe da ponte
eu vejo todo processo.
Comprovo que não há fonte
de pensar neste progresso.
que age sem emoção.
E nesta sua impulsão
não possui um sentimento
que não seja o do dinheiro.
Hoje o reino do coqueiro
vira o reino do cimento.

Portanto, estou condenado
a ver morrer cada amigo.
Meu destino está selado,
mas, a data não persigo
por ser meu dia de morte,
quando então verei um corte
me separar desta terra.
Não bastante essa tristeza,
testemunho a natureza
de mim mesmo que hoje encerra.

Ontem mesmo chorei tanto
a ver um trator gigante
sair de um longínquo canto
com uma força pujante
e um barulho roncudo,
com a pá derrubando tudo,
seguindo uma linha reta,
fazendo um clarão de nada
que será lugar de estrada
de gente que se afeta.


Máquina de ferro frio
que move de baixo a cima.
E sentindo um arrepio
cada bicho desanima
com esse trator que arrasa.
Pois cada coqueiro é casa
de uma espécie diferente:
seja anum-branco, anum-preto,
gavião e passo-preto
vivem num mesmo batente.

Noutro canto, outro trator,
com aquele roncado feio,
na força do seu motor
passando bem pelo meio
de um mato bem cheinho
que tinha ninho e mais ninho
daquelas brancas garcinhas.
Que muitas bateram asas
abandonando suas casas
com caras espantadinhas.

Mais à frente, outro coqueiro
muito folhudo e bonito
foi derrubado inteiro
e um bando de periquito
fugiu bem descontrolado.
Cada qual foi para um lado
naquele voar verdoso
e com grito barulhento
anunciando o momento
que era muito melindroso.


Também assisti tristonho
o trator que nada vê
com o seu peso medonho
dar fim a um saruê
que fugia pela estrada,
já que a toca, soterrada,
tinha desaparecido.
E esse pobre coitado
Morreu sendo atropelado
onde já teve vivido.

Cá do alto pude ver
a poeira levantando
e o vento sem saber
pra longe ia levando.
O sol ficando mais quente.
Tudo a ficar diferente.
Pouca sombra era achada.
Que o pica-pau de coqueiro
que aqui andava brejeiro
não dá mais a martelada.

Até que a noite chegou
com um silêncio do cão.
O movimento parou
dos tratores em ação.
Dia de labor se encerra
e aquele cheiro de terra
que foi recente bulida.
Cheiro de mato mexido,
cheiro de caule ferido,
aquele cheiro sem vida.


E quando o trator parou
bem perto e defronte a mim,
meu instinto me avisou
que era próximo o fim.
A minha última noite,
dolorosa como o açoite
batendo em algum costado.
Passei a noite chorando
até que foi clareando
o dia em seu reinado.

Agora já estou vendo
os homens chegando cedo.
Minhas palhas tão batendo
como quem sente algum medo.
Parecem saqueadores,
que não vão aos seus tratores
sem água doce beber
dos cocos que já caídos
são os frutos que os vencidos
legam após fenecer.

Um destes homens entrou
no trator defronte a mim,
bateu a chave e ligou
o motor ligeiro assim
veio em minha direção,
que senti tremer o chão
sem nada poder fazer.
Aquele amarelo-mal
ia traçando o final
dos anos do meu viver.


Gritei: - Venha desalmado!
Traga a ferragem dura!
Me derrube do outro lado!
Pra ti não tem prefeitura
seja vermelha ou azul;
não tem norte, nem tem sul.
Esta terra não tem lei!
Por mais que eu seja coqueiro
que chegou aqui primeiro
desta terra não sou rei.

Mas o trator foi simbora,
seguiu outra direção.
Fazendo de fora a fora
aquela estrada de chão,
aplanando, retirado,
afastando, derrubando
com sua pá de metal.
Fazendo subir poeira
tal a força verdadeira
de um progresso letal.

Suspirei aliviado,
mas tive preocupação
por não ter mais avistado
nenhum bicho neste chão.
Todo mundo foi simbora
e sem poder cair fora
só espero meu momento.
Tristonho e envergonhado
que o meu reino encantado
vira um reino nojento.


Ouvi um barulho perto
e um brilho de metal,
olhei pra o novo deserto
e senti o meu final
com aquela dor profunda
que a triste serra imunda
rasgava a minha madeira.
Depois ouvi o estalido
do meu caule bem ferido
nessa região praieira.

Senti o corpo caindo
e minhas palhas batendo.
Mas nada estava ouvindo,
tudo estava escurecendo.
Inda vi mais periquitos
voando todos aflitos
em seu verdoso voar.
Tanta tristeza senti
que caído resolvi
fechar de vez meu olhar.



Eduardo Lopes Teles
Barra dos Coqueiros
07/11/2012