terça-feira, 25 de outubro de 2011

Tarkovski + Artemiev = Arte

Andrei Tarkovski
Esta semana reassisti Solaris, do diretor russo Andrei Tarkovski. Baseado em romance homônimo de Stanislaw Lem, o filme narra a história de um psicólogo encarregado de realizar uma investigação sobre os mistérios que interferem em uma missão em torno do planeta Solaris. Um filme sobre memória e existencialismo. Tarkovski é, de fato, um formidável criador de imagens, mas não é sobre isto que vamos falar nesta postagem, e sim sobre a trilha sonora nos filmes de Andrei, os três cujas trilhas foram compostas por Edward Artemiev (os respectivos links para download das trilhas estão no fim da postagem).
Eduard Artemiev

    Eduard Nikolaevich Artemyev estudou no Conservatório de Moscou. Seu interesse por música eletrônica e sintetizadores começou após sua graduação em 1960, quando a música eletrônica ainda estava em seus primeiros dias. Ele escreveu sua primeira composição em 1967 em um dos primeiros sintetizadores, o sintetizador ANS desenvolvido pelo engenheiro soviético Evgeny Murzin, sendo assim um dos pioneiros da música eletrônica. Sua colaboração com o cineasta Andrei Tarkovsky na década de 1970 o tornou mais conhecido. Ele escreveu a trilhas sonoras dos filmes Solaris, O espelho e Stalker. Segundo o próprio Artemiev em entrevista no documentário 'dossiê Tarkovski', o diretor em questão não queria música, mas uma combinação de sons que sugerissem a atmosfera necessária ao filme. Em Solaris, percebemos isso perfeitamente. Existe um som de fundo que não é uma música tonal e melodiosa, mas sons, peças para orquestra e eletronics, ou música eletroacústica que dão a ambientação da imagem, e que certamente alguns espectadores podem ouvir sem notar a presença da música, além, é claro do tema 'bachiano', que representa a terra (presente em apenas duas sequências do filme: no início e no fim). Ainda sobre esta 'bachiana', Artemiev pega um Cantus Firmus e cria uma melodia sobre a base 'emprestada' de Bach (que era o compositor favorito de Tarkovski). Nesses três filmes em que o músico e o diretor trabalham juntos, a trilha sonora funciona sempre nesse esquema onde os sons são a base da música, que quando mixados, dão força à imagens.

    Interessante notar também uma (ou duas) coisa (s) relacionada (s) à questão da imagem (e da música) em Tarkovski:  no volume II do Dossiê Tarkovski (uma série de 4 dvd´s sobre o próprio com entrevistas, documentários e cenas excluidas de alguns filmes), Artemiev aponta que certa vez Tarkovski o disse que utiliza a música como complemento quando ele falha na comunicação através da imagem. A segunda observação seria a relação de Tarkovski com a arte, e principalmente com a pintura, e o seu pensamento de que, sendo o cinema uma arte relativamente jovem, ele propõe então trazer toda a bagagem das artes - a literatura, a pintura e a música principalmente - para o cinema tornando-o algo tão forte quanto as artes seculares previamente citadas.
    Sem dúvida, por essa seriedade em tratar de questões estéticas, de pensar o filme e de relacionar o cinema com as artes clássicas, Tarkovski encanta com as imagens que cria e com as estórias que conta. Não pela estória em si, mas pela forma como ela é contada. Contrariando o primeiro parágrafo, acabei falando das imagens, afinal, é absolutamente indissociavel Tarkovski / Imagem. 
 
SEQUÊNCIA FINAL DE SOLARIS

a baixo os links para download das trilhas sonoras

SOLARIS
O ESPELHO + STALKER

Penélope, cais e espera


Penélope, cais e espera from Alessandro Santana on Vimeo.

Penélope, filha de Ícaro (irmão de Tíndaro, rei de Esparta) e Peribéia (a ninfa), então casada com Ulisses,que a confiara a guarda do reino de Ítaca, para o filho do casal, Telêmaco, em caso do não retorno da guerra.
O vídeo Penélope, cais e espera toma esse mito como argumento para o seu roteiro.
Errante, Penélope vaga seguindo para o mar, na esperança cega de ver o retorno de Ulisses a qualquer custo, e com sua caminhada, desmancha o final feliz proposto no mito. Nesse tempo em que espera, ela relembra sua angústia em casa e a sua caminhada errante e solitária.
Este vídeo é uma resposta a um estímulo não presente na narrativa, representado em segmentos autônomos e minimalistas, que dentro de seu espaço estrutural não necessariamente articulam uma continuidade fílmica.

FICHA TÉCNICA:

Direção:
Alessandro Santana
Com:
Jamyle Argolo e Bruno Monteiro
Produção:
Alessandro Santana e Isabela Mattiazzo
Fotografia:
Isabela Mattiazzo
Câmera:
Alessandro Santana e Isabela Mattiazzo
Boy De Set e Créditos:
Ricardo Dos Santos
Uma Produção:
Faz O Que Pode Produtora
Produtora Associada:
O Mínimo De Dignidade Filmes
Apoio:
Zero Grau Produções

Aracaju, novembro, 2009.




 Fotos de Making Of


Desconforto ou qualquer título que lhe caia melhor


Desconforto ou qualquer título que lhe caia melhor por alessandro_santana

Este vídeo é parte de um projeto apresentado à Universidade Federal de Sergipe como um pré-requisito para a graduação de licenciatura em artes visuais. trata-se de um programa gravado em vídeo, baseado nas estéticas dadaísta (no que se refere ao caótico) e surrealista, que aponta para a questão do onírico num quebra cabeça que inclui peças do real e do imaginário de uma mente atormentada, e resulta num mosaico de imagens e sons derivados do inconsciente diante do stress do cotidiano da vida pós moderna. Será sonho ou realidade? as verdades se misturam nesse jogo onde o único sentimento existente é o desconforto.
Câmera, roteiro e direção: Alessandro Santana

clique aqui para baixar a trilha sonora originalmente composta pelo projeto Música das Cinzas para este curta metragem
 Estudo de trilha sonora nº1 (uma suite eletroacustica em 8 episódios) [trilha sonora do curta metragem Desconforto...]

domingo, 2 de outubro de 2011

Rock in Rio 2011

COM A PALAVRA: GIL BROTHER (o Away de Petrópolis)

A Faz o que pode concorda com o ponto de vista gilbrotheriano sobre este festivalzinho de música.

Ser Tão Road Trip


Um dos documentários extra do DVD Alada Palavra, que pode ser considerado  vídeo de observação ou documento de viagem, onde o espectador poderá dar um passeio pelas estradas de Sergipe, Bahia, Pernambuco e Ceará, numa viagem do litoral ao sertão recheada de enquadramentos inusitados.          

A eterna maldição do cacique Serigy

um vídeo de Alessandro Santana, Bruno Monteiro e Mauro Luciano, 2009. 
 
Um homem em pleno contato com a natureza se vê ameaçado por uma estranha embarcação. Depois que ela aportou, nada mais foi paz no seu jardim das delícias. Um filme eletrizante que traz à tona a estória de um mito. O mito de uma tribo qualquer brasileira que se prostra diante do canto embriagante e conveniente de invasores. Muito embora imerso nesse contexto de inanição de desejos mais concretos, aflora nas brenhas deste solo as forças da natureza personificadas na figura densa do cacique Serigy, esbravejador de uma tradição contrária às tradições, esta ao mesmo tempo que se esmaga, camufla-se nas estruturas desgastadas de povos quaisquer às nossas vistas, no lugar sem dono, desértico em atitudes, só ele, o cacique para nos dar essa idéia. 

FICHA TÉCNICA:

Elenco: Andrezza Poconé, Estranho, Fred Leão e Hernany Donato.
Roteiro e Direção: Alessandro Santana, Bruno Monteiro e Mauro Luciano
Produção: Bruno Monteiro e Alessandro Santana
fotografia: Bruno Monteiro
still: Anderson Bruno
Edição: Alessandro Santana

faz o que pode produtora ©2009
 
Abaixo, algum material promocional como trailer, fotografias de still e uma entrevista com os diretores, etc, etc. 
 Trailer:
 Stills:



Da série: recordar é lembrar: Matéria publicada no site Overmundo
 
Lenda indígena vira alegoria em curta-metragem (Por Luciana Almeida)

Os realizadores Alessandro Santana, Bruno Monteiro e Mauro Luciano escreveram, produziram e filmaram a “A eterna maldição do Cacique Serigy” ao lema do diretor Rogério Sganzerla: "quando a gente não pode nada, a gente se avacalha e se esculhamba”. O curta com duração de 14'59'', quatro meses de produção e orçamento de pouco mais de R$ 30,00 promete ser tímido só em números. Parece até mentira, mas cinema de invenção também é feito em Sergipe. Confira, abaixo, a entrevista com Alessandro Santana e Mauro Luciano onde falam sobre sobre cinema, política e ação cultural (não necessariamente nessa mesma ordem).

Luciana Almeida - Como foi fazer o curta-metragem?

Mauro Luciano - Na minha opinião foi um fardo em se tratando de uma produção executiva, mas por outro lado uma experiência revigoradora por conta da união da equipe. Não é a história de cair na mesmice de reclamar de falta de dinheiro pra se fazer filmes, ou de falta de atenção por parte de instituições públicas que se dizem prestar serviço ao audiovisual. A questão é em se fazer um filme de qualidade sem recurso técnico algum. Muita gente tem feito isso - inclusive em Aracaju, um lugar muito atrasado no campo do audiovisual. Dá pra ver no youtube, algumas das experiências neste curso. Mas a forma do filme evidencia uma ingenuidade que, de certa maneira, é reflexo dessa incipiente produção provinciana e "quase" miserável. Então a idéia inicial foi essa: fazer um manifesto em forma de audiovisual contra a parquice da arte audiovisual do local (ainda que o filme possa ser visto como nacional também, já que a situação da miséria cultural no Brasil ainda é generalizada).

Alessandro Santana - Fazer esse curta foi um tipo diferente de experiência pra mim, pois nunca tinha trabalhado como diretor de ficção, nunca tinha trabalhado com não atores (nem atores)... Sempre acreditei e tive simpatia pela lenda da maldição. Me uni com mais alguns amigos que também são simpáticos à idéia do indígena em questão e, em 4 meses escrevemos o roteiro, gravamos e finalizamos o curta. Participei de todos os processos (roteiro, produção, e pós produção) e digo: é estressante. Crianças, não tentem fazer isso em casa.

Luciana Almeida
- Qual a importância do curta-metragem? Enquanto percebemos uma produção cinematográfica cada vez menos politizada, o "Cacique" segue no sentido contrário?

Alessandro Santana - O curta não tem importância nenhuma. É só mais uma produção audiovisual. Se ele se tornará importante, só a história dirá e mesmo assim eu sei que não vou ganhar nada com isso (além da inimizade de pessoas que por ventura se sintam atingidas pelo humor ácido do filme). Sim, ele é um filme eminentemente político que trata da formação do passado e da contemporaneidade da nossa terra de uma forma crítica e alegórica. É um filme político pela sua natureza. Se eu fosse marxista diria que era “um filme sobre luta de classes”, mas também não é deste tipo de política que estamos tratando. É algo bem maior que isso, que perdura nos séculos e essa História está mais pra terror que pra amor.

Mauro Luciano - Não acho que o filme siga contra a maré. O filme é humano, principalmente, ou até, no seu sarcasmo. Contra a maré é fazer filme pra ganhar dinheiro às custas de verba pública. Assim deveria ser visto por todos - e assim é ético. Um ponto dele que me incomodou é o ressentimento ao falar desse assunto, como se eu, Cabelo e Bruno tivéssemos raiva da produção artística de Sergipe. Bem, dá pra ver de outra maneira - é uma tentativa de crítica ao status quo de uma estética do irracional, e de um primitivismo sem raiz alguma em conceitos. Um espontaneísmo idiota que toma conta de gente que se chama de artista e intelectual (se é que essas máscaras ainda existem, na sociedade de consumo desenfreado e ávida por surrealismos pops midiáticos). Acho que nesse ponto que o filme é político também - ao impôr uma reflexão a quem assiste. Além, claro, da revigoração de uma lenda que dá um contorno ao imaginário radical de Sergipe. Até Antônio Cândido já falou desse radicalismo em personagens públicos de Sergipe. E não é por acaso, também, que partidos de esquerda ditem novas formas de gestão pública no Estado. No entanto, o radicalismo virou só fachada, perdeu o vigor (como, por exemplo, um partido comunista estar na frente com propostas evidentemente liberais, denotando uma farra de ornintorrincos, tal como Chico de Alencar deu o nome a esse novo político que bota ovos e mama, ao mesmo tempo). É uma lástima que, se vista com ressentimento, fica inaudível. Por isso é melhor ver o filme sobre uma maldição do Serigy como violento e bobo, igual a uns filmes B que vão surgindo aos montes - mas com a diferença da mensagem (militante, até) significativa que ele traz nas entrelinhas.

Luciana Almeida
- Quais são as influências/referências no “Cacique”? Glauber Rocha? A idéia da produtora "Faz o que pode" lembra Sganzerla & Bressane também...

Alessandro Santana - Definitivamente temos influência de tudo aquilo com o que convivemos. Cinematograficamente falando, você está correta: temos referências no cinema novo e no cinema marginal como um modo brasileiro de ver e contar a estória, assumindo a precariedade e fazer o que é NECESSÁRIO fazer, além do que, nós três que dirigimos esta obra gostamos da estética do Glauber e do anti-cinema da BelAir, mas, por incrível que pareça, uma das minhas maiores influências foi a música sergipana. Esse barato de exaltar o ‘quase-nada’ me deixa perplexo.

Mauro Luciano - Glauber foi uma moldagem necessária, porque ele tentou inventar um cinema feito no Brasil, e com especificidades do Brasil. Ou seja, o subdesenvolvimento cultural posto em primeiro plano da forma artística, como maneira de se integrar a uma vanguarda. Mas aí vem a história de Ferreira Gullar, no livro Vanguarda e Subdesenvolvimento. O buraco fica mais embaixo, nesse debate sobre uma fórmula pobre mostrada às elites socialistas mundiais. Sem contar que Glauber Rocha foi o único, até agora, que comunicou de maneira profunda na sua alegoria, os problemas dessa ex-colônia portuguesa (ou européia). Eu acho que, até no inconsciente indígena, o Serigy tem uma força nordestina que é própria de um tipo de arte popular, que insistem em chamar de vanguardista. A rememoração de Bressane ou Sganzerla, da BelAir e dos filmes super 8, como figuras autorais desse subdesenvolvimento posto à tona, é também uma homenagem a dois artistas ainda incompreendidos por 99,9% dos espectadores de cinema e TV. Mais especificamente Sganzerla, desde o Bandido, fez esse link com a arte e o popular. Então - como fazer uma experimentação ter ares de cultura popular? Essas são as influências - de artistas que brincavam e brigavam por imagens relevantes.

Luciana Almeida – Uma característica do curta-metragem é a questão da precariedade. Essa característica já é um fato superado na história da arte. Não é o orçamento de um projeto artístico que mede seu valor. Quais foram as condições de produção e como isso interferiu no aspecto estético-narrativo? Podemos falar sobre uma estética do precário? Segundo Helio Oiticica "da adversidade vivemos", isso se encaixa no processo de feitura do curta de vocês também?

Mauro Luciano
- Como te falei anteriormente, o curta não passou por um processo longo de produção, muito menos de discussão, elaboração. Nem mesmo teve iluminação, captação de som ambiente, preparação exaustiva de atores, roteiro - nada disso. Foi uma camerazinha amadora digital num tripé e uma idéia na cabeça, se é pra ser generoso com a vontade de se fazer do Cinema Novo. Isso entra como atributo estético? Acho que pode entrar, na medida em que todos que participaram do projeto estavam cientes de que não iriam ganhar dinheiro com aquilo, e nem mesmo sabiam no que ia dar em resultado - imagine-se entrando numa produção desse tipo... É algo que se chamaria no jargão de "fazer por amor à arte", se a arte não estivesse no caixão faz tempo. Então o filme foi feito "por amor ao escracho", já que é a única maneira de provocar algum rebuliço na burrice generalizada. E, convenhamos, se até o funk carioca tem sido visto com outros olhos pela crítica, por que não uma produção audiovisual tosca violenta como o filme do “Cacique” não seria?

Alessandro Santana - A precariedade é uma característica do Brasil e não acredito que num país subdesenvolvido como o nosso, a falta de recurso seja motivo para a não-produção. As nossas condições de produção foram mínimas para que se pudesse ter o resultado final necessário da obra. A gente fez o que pode dentro dos nossos limites, assumindo a precariedade da produção, fazendo claquete de fundo de gaveta e tocando adiante a produção, sem essa de esperar por iniciativas públicas para produzir. Se a imagem não tem alta definição, ou se isso ou aquilo está fora do padrão técnico esperado pela questão de precariedade de equipamentos, é isso aí mesmo o que podíamos fazer para não cair no ostracismo da não produção: Contente-se com o que está aí na tela. É o que tem e sem maquiagem. Acho que essa questão de precariedade cai mais pro lado estético do que pro narrativo, entretanto algumas questões da narrativa tiveram que ser adaptadas às nossas condições técnicas para que a sequência ou o plano pudesse dar a conotação ou resultado imagético esperado para o objetivo final. Enquanto vemos filmes lindos e vazios como uma publicidade de margarina que lhe vende um dia saudável em 30 segundos, temos filmes ‘feios’ que podem te despertar um questionamento. A partir daí, só depende do espectador. Existem os que pensam. Também existem os que só olham e falam, mas que nunca fizeram absolutamente nada além de olhar. A opinião desses não me vale de nada. Se “da adversidade vivemos” é porque “toda unanimidade é burra”. Não fiz o filme para ser adverso. Fiz por necessidade neste exato momento da minha vida, neste lugar que não explode nem se implode.

Luciana Almeida
- A “Maldição do Cacique” não deixa de ser uma alegoria sobre nossas limitações? Afinal, o personagem do cacique é um anti-herói?

Alessandro Santana - Sim, o filme é uma alegoria, mas não sobre nossas limitações. Já se deu conta que o mito da maldição do cacique é uma coisa que paira na esfera político-cultural? O personagem Serigy pode ser um anti-herói ou até um semi-herói, pois Herói mesmo é Cristóvão de Barros. Ganhou até nome de santo, nome de cidade, nome de praça... Quando Sergipe se tornou Sergipe, foi uma tentativa de se redimir perante o cacique, mas a maldição já tinha colado e nunca mais ele largou o aerostato.

Mauro Luciano - A maldição do Cacique é uma lenda. Nem tudo o que se escreve faz parte da história - existe, também, uma história oral, que é passada de geração a geração. Na idade média acontecia assim, porque ninguém sabia escrever, só a padraiada entocada nas igrejas. Hoje, a história oral é a história não oficial - a que não aceitam como a tradição porque ainda é contada por gente que não sabe ler nem escrever. Não acho que Sergipe tenha nascido, assim como a Bahia, como Fortaleza, ou mesmo a Paraíba (esse Estado sim, com uma evidente simbologia de luta, vista na bandeira) como se vê nos livros - uma terra linda com palmeiras e sabiás. Claro que o Nordeste é lindo pros europeus, mas no momento de criação dessa região a história foi de apropriação de terras, invasão, roubo, latrocínio, genocídio e estupros. Diferente do que aconteceu na parte Sul do país, que houve uma colonização na melhor acepção da palavra. Até hoje, no Nordeste, a violência é ainda latente, e ela desce até, mais ou menos, às periferias do Sudeste. É a velha história da modernização imposta de um modo conservador ( só pra elites), o que gera e gerou uma periferia marginalizada de pessoas do tipo do cacique - que é uma alegoria clara da periferia que vem desde a suposição de um revolucionário do bando de lampião como o corisco de Glauber, um latino-americano indisposto e tosco, e assim foi aceito em todas as mesas chiques que apareceu. Resumindo - não se trata de uma narrativa convencional - e por isso acho que o Serigy fica parecendo um herói, mas nem tanto -, mas sim de uma lenda oral de um povo marginalizado ( de uma história dos vencidos, como diria Walter Benjamin) transposta pras telas.

Luciana Almeida - No filme "O Bandido da Luz Vermelha" de Sganzerla há célebre frase: "quando a gente não pode nada a gente se avacalha e se esculhamba". A lucidez possível é o riso paródico dentro do “Cacique”?

Alessandro Santana - As graçinhas nas entrelinhas estão lá. A lucidez e o riso estão com o espectador.

Mauro Luciano - Lucidez rima com iluminismo. Acho que todo mundo da equipe era a-luno(a). Não que eu ache que precisasse de um professor pra toda a turma - pelo contrário. Como o filme foi feito sem iluminação, melhor não ter lucidez nenhuma.

Luciana Almeida - E a satirização ... ela surge pelo desencanto? Há um certo desencanto dessa geração? O Cacique Serigy é um símbolo desse sentimento?

Mauro Luciano - O desencanto é característica da modernidade. Vi em Lefebvre que só a ironia é que domina algum tipo de mensagem codificada com o encantamento antigo, e isso o velho feio Sócrates, e o inimigo bonito dele, Nietzsche, tambem diziam. Mas aí é que tá - Sócrates moderno? Nietzsche irônico? É o que diz Lefebvre. A geração desencantada, no caso, é uma geração violentada, usurpada, alienada e toscamente armada. E nisso há razão, há iluminação - mas de outro tipo. Talvez romantizada. Mas eu prefiro achar que é anti-utópica, ainda que revoltada. O Serigy apareceu na hora certa pra mostrar um grito que em vários lugares da américa latina roubada até hoje pelas grandes aristocracias burguesas do mundo deveria ser ouvido. Pra os grã-finos do Banco Mundial ou da ONU ouvissem não só a diplomacia de conversas a sete chaves em ONGs entocadas, mas a indignação de marginais que hoje estão se organizando no crime. Faltou uma bomba atômica na cidade, no fim do filme.

Alessandro Santana - A satirização, no meu caso, já é o que podemos chamar de estilo de vida. Admito: faço parte dos citados na bíblia como ‘a roda dos escarnecedores’. Não perco oportunidade de fazer uma galhofa, e como sergipano, nascido em Aracaju, me sinto com todo o direito de dizer (ao meu jeito) o que eu acho sobre o lugar onde nasci e vivo. Desencanto com este lugar, não tenho porque nunca me encantei com nada por aqui. O filme na verdade é o símbolo de um sentimento de quem se sente roubado por uma pessoa que nunca viu na vida com a conivência dos seus semelhantes, enquanto todos fazem vistas grossas ou reclamam, mas não fazem nada a respeito. Nem um curta-metragem. 

Despedida de Vaqueiro


Despedida de vaqueiro é um documentário-flagrante, onde vemos uma cena autêntica da cultura popular sertaneja, capturada pela câmera de Hernany Donato. Vídeo gravado no município de Monte santo, no sertão baiano, que ficou conhecido na história do Brasil, pela guerra de Canudos e na história do Cinema por ser cenário do filme 'Deus e o diabo na terra do sol' (1963) de Glauber Rocha, e na minissérie 'O pagador de promessas' (1988), esta, dirigida por Tizuka Yamasaki (que trabalhou com Glauber no final dos anos 70).
Monte santo também é cinema. hehe

sábado, 1 de outubro de 2011

Western saroio

(Por Andrei Albuquerque*)


A propaganda oficial  sergipana insiste, macicamente,  na propagação de um ideal  de desenvolvimento nunca antes esperado nestas terras. A alcunha ––– que deveria soar como pilhéria ––– de “ a capital da qualidade de vida” para Aracaju  tantas vezes foi repetida que se tornou uma verdade a ser gritada e macaqueada pelas ruas -–– inevitável a lembrança  da surrada máxima do nazista Goebbels, ministro de Hitler, a respeito da verdade forjada a partir  da repetição de uma mentira cem vezes.

Não parece que este slogan foi apenas uma necessidade política; também foi um refúgio para o orgulho opresso de seus habitantes que tendem a superestimar características locais ––– embora seja natural a altivez que infla o peito diante das maravilhas de sua terra. Porém, como em uma torcida raivosa (e descerebrada) de futebol, o bairrismo provinciano forma uma corrente cega, e igualmente raivosa, contra os que não compartilham de suas raízes e ancestrais. Lembro que ao acompanhar, pela televisão, uma greve de funcionários da afiliada aracajuana da principal rede de televisão do país, um sindicalista, em seu discurso bilioso e combativo, pregava que o diretor da sucursal aracajuana era um “forasteiro” vindo do Sul e devido a isso não deveria estar no comando; como em um prosaico vilarejo de filme de faroeste, faltou ao belicoso sindicalista exigir que o forasteiro deixasse a cidade antes do pôr do sol. O termo “ forasteiro” parece que também fora usado em uma disputa política contra um candidato ao governo que não era sergipano, ––– em suma, eram dois forasteiros, estrangeiros, em seu próprio país.

Livrados da tentação de mergulharmos em questões políticas e sindicais, podemos observar que a repetição desse termo, deste significante, “ forasteiro” –– que nos dicionários  também designa o que é estranho, estrangeiro, peregrino, –––  talvez revele algo de nosso espírito provinciano. Também é fácil encontrar propagandas e admoestações midiáticas em prol do consumo de produtos sergipanos, principalvemente por brotarem do calor de nossa terra e do suor de nosso povo aguerrido; isso desde laticínios e sucos de frutas até manifestações folclóricas e culturais. A questão está longe do disparate, da heresia, de negar o valor das manifestações folclóricas de um povo; o que é enervante (e muito chato) é a obrigação de uma reverência inquestionável  que deve sobrepujar as predileções individuais, cabendo aos artistas temerem a desconsideração, da reverência obrigatória ao folclore, em suas músicas, filmes etc.

Junto ao termo “ forasteiro” poderíamos verificar outros nada decrépitos como “ artista da terra” e “artista local” que reduzem o artista e sua produção aos estreitos horizontes do melancólico refúgio provinciano. A relevância estética do artista e sua obra fica, sensivelmente, atrelada à sua localidade; há um tácito acordo para que o artista local não seja criticado, principalmente se sua obra estiver eivada de referências folclóricas mesmo que forçadas.  Semelhante à torcida de futebol raivosa, grupinhos de intelectuais e universitários condenam ou desprezam os heréticos que não comungam, irrestritamente, dos valores da cultura popular.  Se a categoria “ artista da terra” forja uma identidade, também acarreta certo isolamento e sectarismo.

Certas disputas e perseguições  não levam a nada em uma provinciana capital onde a atividade intelectual e artística tem bafio de mero diletantismo, de hobby,  sendo considerada  passatempo excêntrico que tem por recompensa olhares debochados. Restam, enfim, a babaquice das querelas entre grupinhos e a lassidão das queixas por falta de reconhecimento.

Em Sergipe, há a indelével tendência a engrandecer as características locais: “país do forró”, maior árvore natalina etc. Não  pretendo contradizer os que concordam com essas características, mas é notório que seus habitantes se aferram a elas em busca de afirmação de alguma superioridade regional e nacional. O “ narcisismo das pequenas diferenças” que inflama torcidas, grupos religiosos, certas minorias etc também se faz presente em nosso adorável rincão através dessa defesa irrefletida dos valores locais.

 Guerrear,  unicamente, pela prevalência desses valores impende o intercâmbio de ideias e cultruras, tornando a mentalidade local mais estéril e ensimesmada.  Se o atraso histórico de Sergipe  é patente, e foi descrito pela pena de historiadores da cultura e da literatura, não devemos recalcá-lo, soterrá-lo, ––– em uma tentativa sôfrega para evitar que ele não enegreça o orgulho do suposto desenvolvimento atual ––– mas sim digeri-lo para que seja elaborado em novas produções da cultura. Quando um  sujeito neurótico se encontra sob forte recalque, concentra grande parte de sua energia psíquica na evitação de que conteúdos inconscientes angustiantes aflorem em seu pensamento consciente. Esses conteúdos retornarão de algum modo a contragosto do sujeito.

O western  provinciano segue, enfim, pálido sem ao menos ter um pouco do encanto do faroeste de um Sergio Leone.


* Andrei Albuquerque é psicanalista, membro do Instituto Freudiano de Psicanálise(ifp) e Coordenador Adjunto do Programa Despertar (alcóolismo e toxicomania) na Deso.

 Publicado originalmente em http://www.cinform.com.br/blog/Andreialbuquerque em 22/09/2011, com a devida permissão do autor.