sexta-feira, 23 de setembro de 2011

EU NÃO BOTO FÉ NO CINEMA BRASILEIRO (ou: o manifesto de um homem só)

(Por Alessandro Santana*)


Deixar de pensar o cinema (no cinema), é uma práxis comum a partir do final dos anos 70. Dissolvem-se os ‘movimentos’ cinematográficos (cinema novo, nouvelle vague, Fluxus, underground americano...), salvo os raros casos de cinema de autor, que, de lá pra cá, por atuarem fora do esquema, acabam marginalizados (vide Zé Mojica Marins, Andrea Tonacci e Nelson Pereira dos Santos, que lançaram seus filmes mais recentes via edital público). Com a chamada retomada do cinema brasileiro em 1995, que tem em ‘Carlota Joaquina – princesa do Brazil’, filme de Carla Camurati o ponto inicial e, principalmente com a iniciativa de editais públicos para o cinema brasileiro - que democratiza, e como toda democracia, oprime as minorias - cria-se uma indústria que eu chamo de cinema de edital, produzindo filmes numa seleção de critérios duvidosos.
Existe hoje uma iniciativa pública que propõe a formação de uma massa de manobra, que jura salvar o audiovisual brasileiro, enchendo a própria bola, mas que se resume a imitar o cinemão clássico, produzindo um material sem qualidade inventiva, descriativo, preocupado apenas com as qualidades técnicas da imagem, realizando imagens belas, porém filmes sem conteúdo.  Eu não tenho nada contra um filme bem feito, desde que tenha conteúdo (filosófico, estético e artístico). O que existe (o real problema) é um cinema que tem – ou melhor: os críticos do tipo Rubens Ewald Filho dizem ter - ‘qualidade’ em produção, fotografia, figurino, mas sempre pecam no roteiro, no texto, no argumento, na linguagem cinematográfica... uma caixa vazia embalada para presente de luxo. Isso gera uma série de questões: seria culpa do cinema que se assiste? Com o advento da internet, do download P2P e a facilidade da circulação da informação, o que estariam assistindo nossos jovens cineastas? Seria este novo cinema brasileiro totalmente voltado ao mercado do ponto de vista neoliberalista?
O cinema de edital quer ser Hollywood, e o curta metragem, que deveria ser uma via de experimentação estética e amadurecimento lingüístico, atualmente, nada mais é que um trampolim para ser filme de edital. Seria um interesse industrial do Estado num cinema de massa, para um dia ganhar um Oscar?[1] Ou para acalentar as massas? Fazê-las rir e se emocionar, saindo do cinema satisfeito com aquela estorinha vazia como a vida moderna?
O amadurecimento lingüístico se pratica em qualquer formato: super-8, 16mm, VHS, betamax, u-matic, hi-8, câmera fotográfica, telefone celular... o que eu não entendo é essa mania de ser Hollywood. Seria culpa do cinema que se assiste? Ou é somente mais um sintoma do sentimento de inferioridade nacional que faz o brasileiro ter mania de grandeza sem ter nem comida na barriga pra cagar? Talvez seja o mercado de cinema atual. Talvez.
Contribuindo para este declínio total da produção nacional estão os festivais. Quanto a isso, faço minhas as palavras de Carlos Adriano Rosa: “Festivais de cinema anunciam-se como o espaço do novo e da diversidade, mas por ignorância e preconceito rechaçam tudo que é invenção radical avessa a formatos e concessões. O curta é proclamado como nicho de experimentação, mas predomina o modelo cartão de visita, triste piada que esconde o equivocado desejo infantil de um virar longa-metragem, que, adulto, vai pastar no mercado. (...) Se o digital facilita a produção e a difusão, a preguiça mental e o oportunismo paroquial ditam a norma na terra devastada e prometida do cinema. Banidos o escândalo e a audácia, os filmes conformam-se à média do banal e do medíocre”. Sem mais comentários.
            Num caminho inverso a essa produção amorfa, existe outro tipo de produção fílmica, onde a desimportância com a qualidade da imagem - na verdade, a despreocupação com os novos formatos como o atualíssimo high definition, e seus CCD´s[2] - tendo comprometimento com a linguagem cinematográfica, torna essa cinematografia marginalizada, por estar fora dos padrões vigentes - vigentes para o cinemão, pois imagem É imagem e ponto final. Isto só demonstra o quanto ‘estas’ pessoas estão preocupadas com a imagem e despreocupadas com a linguagem e o cinema em si. A quem interessa o filme bonito e vazio?
Linguagem e montagem - a forma como se trabalha com a imagem para compor o filme – são indissociáveis. Não só a montagem, como a forma final do filme / vídeo, o tratamento dado às imagens, a forma como se apresentam ao espectador. Sendo a linguagem, um “sistema de signos destinados à comunicação”, e tendo o cinema como sendo Arte desde suas origens, este passa então a ser uma linguagem capaz de relatar fatos e veicular idéias, gerando desta forma uma escrita própria que se encontra em cada realizador, sob forma de estilo, transformando-se deste modo num meio de comunicação ao estilo de cada um. Sendo assim, não entendo como essa crítica, esse júri e esse público insistem em desmerecer o diferente, assim tentando incluir tudo e todos dentro de um dogma. Deve ser a dicotomia clássica milenar ocidental: sim / não. Vai saber...
O cinema também existe para libertar o próprio cinema das amarras acadêmicas conceituais e dogmáticas - e esta parte cabe à linguagem: se o que se propõe é por si só, anti-dogmático, deve-se ser utilizado, pois, só assim a linguagem / comunicação se faz completa. A superexposição à luz, a negação do estímulo visual ou qualquer outro elemento / procedimento ‘estranho’ à linguagem do cinema clássico, por ventura pode vir a ser interpretado como erro, ou algo de mau gosto pelos dogmáticos do cinema, entretanto, vem a fazer parte da inventividade e experimentação do cineasta para a compreensão da obra por ele pensada, tendo na experimentação e na utilização dos recursos técnicos disponíveis, um meio para o alcance do objetivo comunicacional. Explorar os limites do material fílmico, o material captado. Explorar formatos; explorar imagem. Explorar o que se tem em mãos para comunicar, seja de que forma for. A eterna busca pelo aperfeiçoamento lingüístico.
Alguém precisa se opor à algo. É a lógica das coisas existentes. Se pelas bandas de cá todos cedem à introdução do modelo fordista e de massa deste cinema capenga, existem opositores aqui também. Um cinema que nega sua existência autônoma, partindo do pressuposto que esse tipo de cinema (co) existe em função do que se opõe - o cinema clássico tradicional - indo em direção contrária ao cinema narrativo em todos os aspectos possíveis.
Esse cinema, dito de vanguarda ou experimental – levando em conta que experimenta possibilidades técnicas - não possui de fato uma definição. Gênero negador do clássico e da mesmice é notório o radicalismo de linguagem, instaurando a ruptura, praticando a guerrilha, instaurando a crise e a resistência, se interessando mais pelo processo criativo que pelo produto fílmico – ou seja, o caminho inverso do cinema clássico - procurando mais provocar sensações, que meramente reproduzir o mundo e sua realidade enfadonha, mantendo seu compromisso com a própria obra, gerando filmes que não são “para vender, mas pelo prazer de criar (...) de desvendar outros territórios na aventura da percepção (como a poesia)” (ROSA, 2003), sem pretensão de atingir o grande público (sendo feitos até para satisfazer o próprio realizador), tendo museus, galerias, cineclubes, universidades, e hoje, a internet como circuito de exibição. 
O filme / vídeo é antes de tudo Arte. Ou pelo menos, deveria ser. Orson Welles afirma que “se o cinema não tivesse nunca sido amoldado pela poesia, teria permanecido como simples curiosidade mecânica e seria ocasionalmente exibido como uma baleia empalhada”. Hoje a curiosidade não é mecânica e sim tecnológica. A baleia empalhada de hoje é o After Effects: o absurdo em Chroma key. Os filmes americanos voltaram pro estúdio, e a Globo Filmes é a nova Vera Cruz. Não mais explorar os limites do material fílmico: o filme quadrado para pessoas quadradas; o filme ignóbil para as pessoas ignóbeis; o filme vazio para as pessoas vazias; o filme bonito para as pessoas ignóbeis, quadradas e vazias.
Sendo assim, tudo o que me resta é assumir a independência, pensando como Stan Brackage: “Independente sempre foi alguém que faz algo porque é compelido, que não está preso a mais nada ou ninguém.” Ou seja: quando se está fora dos padrões do cinema dogmático, - esse cinema fordista sem proposta conceitual - você pode fazer o que quiser. Independência ou morte. A morte seria cair nas graças do Estado ou do público, essa grande besta quadrada. Isto sim é a morte do cinema brasileiro. Minha vida se baseia na recusa da participação na mediocridade. A não aceitação do que está em voga é a minha mola mestra.
Definitivamente precisa-se admitir que o cinema brasileiro está pela hora da morte, entregue à um sistema industrial colonialista, almejando um dia ganhar algum Oscar, o prêmio máximo da mediocridade inventiva cinematográfica. “...outro dia sim, porém, hoje não”. E, assim que chegarmos lá (Eu não!) estará certo que o cinema brasileiro jaz morto. Deixo questões em aberto, propositadamente, como um filme que provoca questionamentos no espectador-leitor; que não acaba quando termina. Não responderei. Faço suposições porque a verdade não existe, e quando alguém afirma ter a verdade, não passa de mera especulação. Se essas questões não te interessam, deixa isso pra lá e vai ver um filme nacional.

Observação: Não se trata de mágoa, porque mágoa não há. Trata-se apenas de fazer o que tem que ser feito.

* Alessandro Santana (videomaker, especialista em artes visuais e compositor sergipano).


[1] Este texto foi escrito antes da notícia da escolha de Tropa de Elite 2 para concorrer como filme estrangeiro no festival de cinema hollywoodiano.
[2] Dispositivo de Carga Acoplada ou CCD (charge-coupled device) é um sensor para captação de imagens, onde a capacidade de resolução ou detalhe da imagem depende do número de células fotoelétricas do CCD.

Um comentário:

  1. Que haja o cinema de entretenimento ligeiro, mas macaquear e salivar pela frivolidade do Oscar é típico da burrice e servilismo tropicais...Sinceramente não tenho visto, como mero espectador, filmes nacionais tocantes , expressivos etc no cinema nacional, no máximo entretenimento.

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